Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Pára-brisa apaixonado

Qual a distância entre o amor, a paixão, o ridículo, o mico e o super-homem? Pode ser pequena ou não.
O amor é, muitas vezes, indescritível; a paixão, normalmente, incendeia o coração e dilata as artérias; o ridículo é uma questão de interpretação, discriminação, conceituação e é sinônimo de brega; o mico é uma armadilha imprevisível e o super-homem, bem, este não existe a não ser nos filmes de ficção e nos desenhos animados.
Um pára-brisa apaixonado é, nessa óptica, um romance entre dois vidros temperados, resistentes. Mas, como tais, podem virar caquinhos a qualquer momento. A matéria também ama, lógico que ao seu jeito e os mortais não são boas referências porque amam e deixam de amar tão abruptamente como o maracujá maduro caindo do pé.
Mas é verdade, caro leitor, as peças dos veículos se atraem e, diferentemente do imã, pólos com o mesmo campo magnético necessariamente não se opõem. É um manifesto do surrealismo materialista pós-moderno.
Dourados é berço de vanguardeiros. Os marketeiros já recorreram aos pombos para expressar a paixão, às flores, às focas, aos orangotangos, às pererecas, aos golfinhos, aos “out-doors”, aos anúncios em jornais, às cartas, aos buquês, mas ao pára-brisa, até então, não. Seria a límpida transparência?
O amor entre temperados explica a junção do pisca-pisca com o tanque de gasolina: aquela lampadinha amarela que acende no painel no Uno quando começa a acabar a gasolina!
O ineditismo, portanto, tem lá seu crédito. Será que no “reino matéria” um pára-brisa de uma Fusca pode se apaixonar pelo do Vectra? Há alguma chance para o vidro da jamanta se enamorar pelo do Ká?
Oras, a velha e desnecessária discriminação econômica e social servindo de modelo para a matéria.
Parabéns pára-brisa. Não precisa se envergonhar do seu amor e muito menos se importar com o que os outros dizem. A rebimboca da parafuseta é uma fuxiqueira nata, fala à toa.
O leitor deve começar a se atentar com quem o seu veículo vai se apaixonar ou por quem ele já se apaixonou. Sabe-se lá o frankstein que poderá surgir. O encontro entre veículos às vezes deixa os narizes destroçados.
A rebimboca da parafuseta diz que o amor do pára-brisa é duro na queda e tem uma rara fúria. Lança caquinhos em qualquer direção, sem pestanejar e a doce e lisa aparência esconde enormes fissuras. Nesse ponto a matéria torna-se tão imperfeita como os racionais.
Um pára-brisa apaixonado chega a amolecer o coração até mesmo de um bruto, ou bruta. Por conta disso afirmam: o amor pode tudo, até mesmo afrontar a ingenuidade e esconder, sob olhos lúcidos, o lado ríspido de cada um!
A humanidade ainda não viu tudo, com certeza. Nada como o surrealismo e a imaginação para tornar menos cruel e sofrida a vida no reino animal e no vizinho “reino matéria”. Dê-lhe Dejanira!