Como Adão no Paraíso
Diante de tão honroso convite (do Jornal O Progresso para a edição especial de 20 de dezembro de 2014), não poderia me abster de colaborar.
Como Adão no Paraíso...
Acho que foi mais ou menos assim que eu me senti quando cheguei a Dourados no final de 1979 para prestar o vestibular de Agronomia e aqui tentar uma nova vida. Todo cheio de graça, na vitalidade dos 18 anos, naquela idade de muito calor e energia para enfrentar as adversidades, esbanjando saúde...
Depois de beber a água do Rio Dourado e comer a poeira local acho que senti o gosto de um futuro.
O eu douradense se deu por esse caminho... Um rapaz que ainda sequer tinha ajustado o foco direito, sonhando que as pessoas são sempre boas e dispostas a ajudar, que a vida se encarregaria de tornar as coisas mais fáceis na medida em que você semeia virtudes, misericórdia, honestidade e fidelidade... Inocente, ainda acreditava em Papai Noel!
Eu sou muito grato a esta terra porque aqui me encontrei profissionalmente, constitui família e fiz amigos de montão apesar de ter apanhado bastante no começo. Mas um início amargo ajudou a dignificar a pena assim como o ferreiro batendo forte o ferro em brasa para forjar a espada...
Vitaminas amargas me fortaleceram bastante. Um teimoso não desiste tão facilmente dos seus ideais. Se não pode mudar os ventos regule então as velas!
Mas não posso negar que tive igualmente muitos momentos doces e divertidos.
Dourados é o lugar onde morei mais tempo e aqui, graças a Deus, finquei raízes na terra fértil e generosa.
Não se trata de exibição, mas é bem verdade que todo pavão precisa ao menos vez ou outra mostrar suas penas. Senão ele não é visto.
Eu morava antes em Ourinhos (SP) e lá naquela época a oferta de emprego para jovens era pequena. Já vim formado Técnico em Agropecuária, profissão que pouco exerci. Aqui havia maior oferta.
Como não passei no vestibular acabei tendo que buscar algo para me sustentar. Trabalhei na extinta escola Silva Melo; com o Valdir Perusso quando ele montou a Central Veterinária; com aviação agrícola do comendador Teruel e algum tempo na Fazenda Itamarati.
Morei no pensionato da dona Ramona e ali numa bela noite conheci o Lucimar Couto que casualmente me ouviu dizer que estava procurando emprego e tinha certa qualificação como uma boa datilografia. Disse-me para procurar o Julinho Marques que precisava de um datilógrafo na assessoria de imprensa da prefeitura.
O Julinho me contratou na hora após ver o estardalhaço na máquina elétrica. Era para passar a limpo os textos feitos pela redação. Ali tive o meu primeiro contato com o jornalismo, sim, porque ler jornais não conta.
Eu simplesmente fiquei deslumbrado com o ambiente e ali estava traçado ou selado, quem sabe, a minha sina.
Aquela sementinha adormecida desabrochou levantando o pescoço e clamando por vida, Sol, ar e chuva! Mas tudo ia depender do próprio esforço, da disciplina, dedicação, capacidade, estudo e resistência para atravessar a nado o Rio Dourado e conviver sem sangrar muito com as hostilidades.
Cito aqui o termo Dourados no sentido de mostrar como sou grato a esta cidade que hoje comemora 79 anos, mas é lógico que jamais vou me esquecer daqueles amigos que me ajudaram e outros nem tanto que me empurraram para trás para que a minha vida jamais fosse uma zona de conforto...
São as pessoas que fazem uma cidade, se bem que aqui se deve considerar o solo fértil, o clima favorável e outros recursos naturais além das circunstâncias histórias e políticas que levaram Dourados para frente.
Logo entrei em O Progresso para ajudar o Vander Verão nos finais de tarde – aliás, mais aprender porque um sujeito sem texto quase nada ajuda no fechamento do jornal... Mas o Vandão teve paciência, me mostrou muita coisa e a partir dali conheci outros jornalistas e aprendia, aprendia rápido até por uma questão de sobrevivência no meio porque esse não é ambiente para fracos e indecisos.
Mais tarde conclui Letras com Ênfase em Jornalismo na Unigran e uma pós em Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa na UFMS.
E a cidade de Dourados se tornando em outra perspectiva o meu palco de representação, a minha energia, o meu fazer jornalístico, literário, familiar e de congraçamento com os amigos e de atitude política no meio sindical.
Sou testemunha ocular de 1979 para cá e, obviamente, já me esqueci de muita coisa. Mas vivo fuçando arquivos atrás da história desta da cidade e é fácil perceber a transformação para melhor. Se hoje ainda se precisa melhorar muita coisa, como sempre precisa é bom se olhar no retrovisor e notar que antes era bem pior.
Assim como eu certamente muitos outros construíram uma vida aqui e sejam igualmente agradecidos ou não.
Bom, aquela fase do Adão no Paraíso passou, depois veio a Eva, a serpente e aí já começa outra história...
Cada morador, douradense ou não da gema, certamente tem sua versão, sua adaptação, sua paixão, seus prós e contras, sua história para contar.
Pensando bem eu acho que cometi um engano: continuo morando no Paraíso e às vezes nem me dou conta disso porque aqui eu me sinto bem e fantasiado em estado de graça...