Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

América

Com toda a certeza a maioria dos teventes da novela “América”, de Glória Perez, desconhece a existência de um livro homônimo de Monteiro Lobato (1882-1948), editado pela primeira vez em 1932. Nesta obra, Lobato, como adido em Nova Iorque, revive o personagem Mr. Stang percorrendo os EUA, mostrando a pujança daquele país e tecendo comparações na busca de soluções que pudessem ser úteis para o Brasil.

Naquele tempo, Lobato ainda não tinha desistido de escrever para os adultos para apenas se dedicar às crianças com suas deliciosas criações infanto-juvenis, mas ele já divulgava a idéia que hoje, com nova roupagem, adereços e pílulas lingüísticas, a autora tenta dizer.

Com o cabedal de conhecimento que a autora deve naturalmente ter, ela deve ter conhecimento sobre a obra de Lobato, pois, mera coincidência não convence.

Lógico que um pobre mortal deste canto do país não deseja, com sua humilde argumentação, causar celeuma e muito menos mal-estar, mas o relevante é a falta de crédito e de menção, proposital ou não. Pior ainda: entre os telespectadores e os leitores brasileiros, talvez não dê para encher um ônibus de quem conhece ou já leu a “América” de Lobato, apesar da diferença de época. Já a novela, nem se diga, seduz milhões...

Não é à toa que se apregoam aos sete ventos que nada se cria, tudo se copia. A ciência da Literatura Comparada está aí para discutir isso, assim como outros estudos acadêmicos mostrando a semelhança e a influência de escritores sobre outros escritores. Mas pelo menos hoje há cobrança maior sobre a escola de cada um.

Será por isso que o “seu” Gomes vive passando sermão no garoto “farinha” e perguntando:

- Copiou “farinha”?

Quem sabe? Só mesmo a autora para dizer...

A obra de Lobato evidentemente tem outras características e a novela traz em seu conteúdo o emaranhado de relações, amores difíceis, suspenses, situações não resolvidas, injustiças, a crueldade, o pitoresco e a maluquice daqueles que tentam cruzar o deserto atrás de uma vida melhor sem se importar com riscos e conseqüências, mas a semente da idéia nunca pode ser esquecida.

Lobato, em sua “América”, dizia que o Brasil precisava desenvolver a indústria do ferro e do aço – que só veio com a Segunda Guerra (1939-1945) como uma das condições feitas pelo Brasil aos EUA para entrar no conflito – perfurar poços de petróleo e investir na pesquisa, na educação, na qualidade do ser humano. Em seu livro, ele conta que nos EUA é chique, digna e honrosa uma família rica doar dinheiro para universidades ou instituições filantrópicas, enquanto aqui no Brasil os escândalos dos “mensalões” mostram o tamanho da roubalheira que se faz no centro do poder político.

A “América” de Glória Perez e sua equipe global desenham um sonho de esperança, as aventuras e a coragem dos peões de rodeio, o grau de insatisfação entre ricos e pobres, a dura diferença imposta pela cegueira, a cleptomania, o tráfico dos escravos da pós-modernidade e de drogas, enquanto o Brasil se afunda na desesperança e na decepção em relação às suas autoridades, neutralizando-as e nivelando-as porque ficou difícil separar o joio do trigo.

Talvez a nova “América” seja apenas mais um Silva, mas é bem preferível desligar a tevê e abrir o livro de Lobato. O livre-arbítrio às vezes conduz a pessoa à escolha incorreta.