O Corcunda da Rua Bahia
As pessoas carregam diferentes pesos de natureza ideológica, física, medos, interpretações de acordo com seus óculos sociais e seus estudos.
Nesse ambiente se inclui o dinheiro em bolsos não furados, lógico - e contas correntes, compromissos financeiros, familiares, negócios, medos, sonhos, desejos, frustrações, alegrias, fomes, estômagos satisfeitos, enfim.
Lógico que cabe muito mais porque, dependendo do prisma, o ser humano é um saco sem fundo.
A dimensão pula para um grau misterioso quando o cérebro se vê incomodado por fantasmas e anomalias genéticas ou adquiridas em função de acidentes, quedas, traumas e uso de drogas lícitas ou não lícitas.
A ciência pesquisa o tema incansavelmente e tanto a igreja católica como a evangélica, a batista, o budismo, a hindu, a esotérica, o espiritismo, entre outros, tem interpretações próprias e semelhantes.
Mas nunca se sabe, ao certo, qual o cenário desenhado no contexto dos anormais ou melhor, quem é normal nesta sociedade maluca?
O corcunda da Rua Bahia, sem desmerecê-lo ou desrespeitá-lo, é um ser instigador. Em silêncio absoluto na calçada, às vezes com caneca nas mãos, outras vezes sentado na mureta, é indiferente à velocidade dos carros durante o rush, ao vento de agosto, à seca, à expectativa da chuva, às pessoas, vive o mistério da escuridão e feliz ou não, está ali para dizer algo.
Seria grito de socorro e não consegue, ao mínimo, esboçar uma única palavra?
Ou será que tarjas pretas aprisionam-no a ponto de querer dizer e não consegui-lo? Seus espíritos desejam aquilo, mostrar à sociedade na forma da carne que um dia, mais cedo ou mais tarde, cada um vai ter seu julgamento?
A tristeza ronda sua áurea.
Talvez outros corcundas existam em pontos diferentes da cidade na realidade, para bom observador, eles existem sim, mas nem sempre com cacunda.
Mas o que instiga é a cena, o mistério rondando seu interior, sua história de vida, sua doença, o fato dele estar ou não em porto seguro.
O mínimo que se pode esperar de um sadio com conhecimento e formação moral é respeitar semelhantes, contribuir para que não passem privações e perigos, independente da formação ideológica, social ou etnia.
Afinal, todos são ou não são iguais perante a Deus?
O corcunda, talvez, seja um choque, um curto-circuito na consciência dos que o observam.
Ele alimenta dúvidas, fomenta indiferenças e imaginação.
Ulisses Serra falava: uma cidade não é formada apenas por ruas, logradouros, prédios e casas. Há pessoas, tipos folclóricos.
Há adversidades em ziguezague, amizades atraídas no círculo de interesses comuns.
Longe da alcunha dada aos partidários dos portugueses contrários à Independência e muito distante do personagem de Victor Hugo imortalizado como Corcunda de Notredame que pagou com a vida o preço da paixão e da indiferença numa sociedade perversa e injusta, o corcunda da Rua Bahia permanece ali tentando encontrar, talvez, a esperança perdida em tempo remoto ou algum lugar da sua rua.
Os sadios, felizes, espirituosos, de fé, orgulhosos, arrogantes, individualistas, materialistas, ricos ou pobres, sonhadores e esperançosos, deveriam olhar para ele.
Quem sabe, um pouquinho da realidade da vida esteja ali.